quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Seminário sobre o Sistema Prisional debate Estado penal e desafios para os psicólogos

O segundo dia de atividades do II Seminário Nacional sobre o Sistema Prisional abordou, na manhã desta quinta-feira (13) os temas “Estado penal e funções do cárcere na contemporaneidade: produção de subjetividade e de criminalidade” e “Cenários e desafios da práxis psicológica no sistema prisional: ética e compromisso social”.

A primeira mesa foi composta pelo professor de Direito Processual da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sérgio Verani, pela secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia, Vera Malagutti e pelo promotor de Justiça da Execução Penal em Goiânia e integrante do Programa de Atenção Integrar ao Louco Infrator de Goiás, Haroldo Caetano da Silva.

Sérgio Verani abordou o modelo repressivo que se constitui nesse início do século XXI.
Segundo ele, ainda existem muitos juízes com pensamentos da Inquisição, que promovem violação da dignidade da pessoa humana, do réu. “E o discurso é sempre em nome da ordem, da segurança, mas, na verdade, é um discurso de segregação, de extermínio”, disparou.

Em seguida, Vera Malagutti apontou que a América Latina foi formada como uma “instituição de seqüestro”. “Nosso continente nasceu como um lugar de pena, de degredo, visto como local de pessoas sem alma e povos descartáveis, o que seria o caso dos índios, dos escravos africanos, dos imigrantes. O genocídio sempre foi um marco de nossa história. Em 500 anos de história do Brasil, apenas 100 não tiveram escravidão. E, na verdade, ela permanece até hoje. A abolição não trouxe uma política de inclusão”, salientou.

Fechando a primeira mesa, Haroldo da Silva afirmou que a prisão não recupera homens, nem transforma criminosos em não-criminosos, como se propõe. “A função da prisão nunca foi e nunca será a de transformar um homem ruim em um homem bom. A proposta de ressocialização de criminosos é uma propaganda enganosa e foi implantada na ciência penal para justificar a punição. É um artifício para vender um produto de eficiência questionável – a prisão – e limpar a nossa consciência, já que não estamos prendendo para castigar, mas para ajudar”, argumentou.

O segundo painel da manhã trouxe a contribuição da psicóloga do sistema prisional e conselheira do CRP-RJ Ana Carla da Silva, da psicanalista da Penitenciária Petrolino Oliveira (Bangu 08) Patrícia Schaefer, da presidente do Conselho da Comunidade de Joinville e membro do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciárias, Valdirene Daufemback e do professor de Psicologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Pedro Pacheco.

Ana Carla declarou que o psicólogo do sistema prisional deve estar voltado para estratégias de sobrevivência na instituição total, traçando formas de desmontar essa instituição. Segundo a psicóloga, os psicólogos precisam refletir sobre a proteção e prevenção de saúde em um lugar que produz morte. “Precisamos olhar os apenados como cidadãos, não como objeto permanente de análise. O trabalho do psicólogo também deve permitir a fala livre daquele sujeito, não se constituir como formas de espionagem”, avaliou.

Patrícia Schaefer prosseguiu com a temática da atuação dos psicólogos dentro da prisão. “Nosso papel é visto com função de participar das CTCs, que funcionam como minitribunais, e de fazer exame criminológico. Mas, no trabalho do psicólogo, é impossível realizar ambas as ações. Essa prática instituída por lei é uma violência contra nosso Código de Ética. É preciso muita força para mantermos nosso compromisso com os direitos humanos nesse contexto”. Segundo ela, há muitos casos de projetos desenvolvidos por psicólogos nas prisões no sentido de fugir dessa realidade. “Se foi feita tanta coisa com iniciativas individuais, imagine o que poderíamos fazer se houvesse um projeto oficial de práticas éticas dos psicólogos.”

Valdirene Daufemback, por sua vez, focou sua fala em três pontos: modelos de convivência social e sistema prisional, contexto da Psicologia no sistema prisional e novas formas de lidar com a criminalidade. Com relação à primeira questão, ela afirmou que a segurança pública ganhou, na sociedade brasileira, status de política pública. “Se não nos sentimos seguros entre nós, delegamos ao Estado essa função. Mas isso é uma falácia, pois o Estado não pode proteger cada cidadão. Então, o que resta é uma sensação de insegurança, um medo, que é instigado pela mídia, e surge uma demanda por encarceramento.”

Pedro Pacheco concluiu o painel trazendo uma discussão sobre a Psicologia enquanto ciência. “No século XIX, somente as ciências naturais eram vistas como ciências e o uso de seus métodos, experimentais, foram aplicados à Psicologia buscando desvelar a subjetividade, a interioridade humana. Assim, as ciências psi sempre prometeram algo que não poderiam cumprir: a objetividade em uma coisa que, na verdade, é da ordem da incerteza humana”, destacou. Para o professor, essa situação leva à realização de avaliações psicológicas com pretensões objetivas que sustentariam verdades internas a fim de subsidiar decisões judiciais. “Como conseqüências, há um distanciamento dos direitos humanos e das singularidades humanas”, ponderou.

http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_081113_001.html. Acesso em 19 de novembro de 2008.

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