terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Juristas: contadores de histórias?
por Paulo Queiroz

Se pensarmos bem, nos daremos conta de que os juristas (profissionais do direito) pertencem a uma classe particular de contadores de histórias, afinal, juízes, promotores e advogados não fazem outra coisa senão contar suas próprias histórias a partir de outras tantas. Uns contam tragédias, outros, comédias; uns preferem o conto; outros, a novela ou o romance; e o fazem com maior ou menor imaginação, com maior ou menor talento.

Mas todos contam histórias e, pois, dão sua própria versão dos fatos. Sim, porque o que pretendem como simples “sentença”, “denúncia”, “testemunho”, “declarações”, “fatos” não é uma pura narração, mas uma construção, isto é, uma interpretação a partir do que a mente percebe e a memória retém.

Trata-se, enfim, de uma história recontada conforme os nossos sentidos, as nossas necessidades, os nossos interesses, as nossas crenças, as nossas limitações, a nossa sensibilidade. Não existem fatos; só existem interpretações (Nietzsche).

De um certo modo, portanto, o direito é uma ficção que não se assume como ficção [1].

Que são afinal os grandes advogados senão exímios contadores de histórias, e que, como bons contadores, contam-nas conforme o seu respectivo auditório (juiz, tribunal etc.), com ele interagindo e persuadindo-o? Enfim, que fazem os juristas senão contar histórias, mais ou menos verossímeis, mais ou menos exatas, no seu próprio interesse e no interesse de seus clientes (Estado, réu, vítima)?

Talvez por isso, ou também por isso, tenhamos mais a aprender com a literatura, o teatro, o cinema, a música, a arte, do que com os livros técnicos. Porque a interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, requer talento e sensibilidade.

Nota
1. Eis a propósito um dos sentidos possíveis de ficção: “relato ou narrativa com intenção objetiva, mas que resulta de uma interpretação subjetiva de um acontecimento, fenômeno, fato etc.”. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Ed. Objetiva: Rio de Janeiro, 2001, 1ª edição, p. 1336.

Paulo Queiroz é doutor em Direito (PUC/SP), professor universitário (UniCeub), procurador regional da República em Brasília e autor, entre outros, do livro Direito Penal: parte geral. 4a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

Fonte: Revista Jus Vigilantibus, 17 de fevereiro de 2009.

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